sábado, 19 de maio de 2012


                Nossa história no presente contexto começa no dia 17 de junho de 1996.Na manhã daquele dia nos inscrevemos no programa de reforma agrária do Governo Federal, na Unidade Avançada de Machadinho D’Oeste, Superintendência Regional de Rondônia, e na tarde do mesmo dia estávamos a caminho do assentamento e quando os últimos vestígios do dia se extinguiam, já havíamos instalado nosso acampamento no interior da mata, em um vale a beira d’água. Éramos duas equipes: a nossa composta de 17 homens sob o comando de um agrimensor, servidor do INCRA e a outra por 15 homens sob o comando de outro agrimensor, também servidor do INCRA. Nossa missão era, obedecendo à planta do assentamento,   traçar uma linha topográfica no interior da floresta e demarcar as frentes das parcelas que margeariam a futura estrada vicinal que teria por eixo a referida linha; no nosso caso, o proposto era demarca a LJ 01 e a compensação por este trabalho "voluntário” era a oportunidade de escolher a parcela que mais nos conviesse, ficando as restantes, a serem distribuídas aleatoriamente entre os demais inscritos. Sendo assim, na manhã seguinte iniciamos o trabalho que a princípio estava previsto para ser desenvolvido em 15 jornadas, mas que obedecendo a uma ordem vinda da Unidade Avançada, que cancelava aquela linha – depois de um conflito - na manhã do 8º dia iniciamos a seqüência da LJ 03 e por fim, no inicio da tarde do dia seguinte fincamos a “estaca” da parcela 136, a primeira da LJ 04, a nossa parcela, e o trabalho foi dado por concluído, e recebemos a ordem: ”-- Põe serviço, senão a parcela vai ser redistribuída!”                                                                                                      Aqui começa de fato nossa odisséia. Homens com os corações cheios de sonhos; sonhos de prosperidade; homens vazios de experiência, cheios de expectativas; homens..., famílias... , crianças..., reféns dos resultados. Crentes em dias melhores fincaram os pés na trilha e destemidos enfrentaram a “braveza” de uma selva.
 Não foram poucas, as mães que viram morrer em seus braços, seus queridos filhos indefesos, vítimas da subnutrição e da malária – uma praga que come o sangue da gente e faz a gente ficar com cara de morto mesmo antes de morrer. Não foram poucos os filhos que viram o pai esfacelado debaixo de árvores tombadas pelo motosserra. Não foram poucos os que recuaram e os que não recuam por não terem como.                                                                                                Contar a história do assentamento é contar uma história de sofrimento desnecessário; de pessoas que dão de si, o máximo; de pessoas que caíram nas garras do desânimo, segadas pelas frustrações e descrentes dos discursos tantas vezes repetidos.

 Contar essa história é narrar a experiência fantásticas de se colocar na terra a semente, e falar do prazer indescritível de esperar e colher os primeiros frutos, de ver nascer às primeiras crias, de ver o vento soprar a lavoura e fazer ondas como se fosse um mar, de sentir o aroma singular de cada plantação, de cada florada, de chegar ao fim do dia e dormir cassado, mas com o coração contente, porque a terra foi preparada no tempo certo e no tempo certo foi plantada a semente e a semente era boa e então haverá abastança ; contar essa história é contar um bela história de paz e de prosperidade sufocada pelo descaso  de pessoas insensíveis, de pessoas desalmadas que se eximem de fazer, o que sabem que tem que ser feito.  
Dos dezessete “argonaltas” que compunham a nossa equipe, quatro não venderam suas parcelas, sendo que um é funcionário do município e visita esporadicamente a parcela que esta a venda; o outro mora na cidade e a explora regularmente havendo prosperidade; “Zé da Bota” e Eu, exploramos e moramos na parcela e conhecemos o que é penúria. Zé permanece dês de o principio e a história que Ele conta, será contada aqui no momento oportuno; Eu iniciei o desbravamento da nossa parcela, estando ainda morando na cidade, mesmo assim recuei em 2000 (tinha pra onde voltar) vencido pelas malárias e os males que normalmente a acompanham e retornei em 2004 re-desbravando, refazendo o trabalho que havia se perdido e no ano seguinte, em janeiro, coincidentemente no dia dezessete, entrei com a minha família. A partir daqui começamos a colecionar os resultados            positivo dos exames de malária e fora alguns que perdemos, temos ainda cinqüenta em nossos arquivos.
Somos testemunhas oculares dessa história e o que nos distingue dos demais companheiros, é que tivemos a oportunidade de registrá-la e estamos contando-a, não com o propósito de falar de corrupção, de omissão, de prevaricação, de prepotência e de desrespeito a pessoa humana; nossa intenção é prestar uma pequena colaboração, que somada à daqueles que sofrem por amor à justiça, impedir que a versão grotesca dessa história continue a se repetir.   
Não temos dúvida de que o Governo Federal saiba o que deve ser feito; não temos dúvida de que o Programa ATES, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – que apesar de merecer retoques – seja suficiente para conduzir com êxito o propósito de se disseminar a prosperidade no campo; não temos duvidadas de que a agricultura familiar é viável e de que é um excelente estilo de vida, como também não temos dúvida de que ela pode coexistir  com a Amazônia, sem o tão falado “risco ao meio ambiente”, bastando para isso, tão somente, ser conduzida com decência e ordem.
           Nossa presença no Projeto de Assentamento Lajes se deu em função de uma oportunidade. Não havíamos projetado tal empreendimento, nem si quer acalentávamos o sonho da terra própria; tão somente nossos pais tinham suas origens no meio rural e nossa infância, tanto a minha como da Eliane, havia se dado nesse meio e as lembranças que tínhamos dessa época eram muito agradáveis. Apesar de termos sido criado em lugares diferente, nossa s infâncias não foram muito diferentes e pra nos o meio rural significava principalmente liberdade e fartura. Liberdade de espaço, de andar pelos campos de tomar banhos no rio, no açude, de subir nas arvores pra armar balanços, pra pegar frutas e ver os ninhos de passarinhos, de andar  despreocupado sem a correria da cidade e passar o dia todo lambiscando aqui e ali e ao fim do dia ir dormir ansioso pra que a noite passasse logo pra recomeçar tudo de novo.